A Educação de Surdos em São Bernardo do Campo iniciou suas atividades em 1957, seguindo uma orientação oralista. Nessa visão, a surdez é concebida como uma patologia que deve ser “curada”, ou seja, tudo deve ser feito para que as crianças alcancem um suposto padrão de normalidade como prerrogativa para se integrarem à comunidade ouvinte. Essa abordagem educacional se traduz em uma metodologia de ensino para surdos cujos principais objetivos são o treinamento auditivo e o aprendizado da fala, ou oralização, como condição para a aprendizagem, em geral tardia, dos conteúdos escolares. A Língua de Sinais é vista como obstáculo à aquisição da fala e, portanto seu uso é proibido ou desestimulado.
O professor ao
gesticular, ao mesmo tempo em que fala, tem a ilusão de que se faz compreender,
tal como um piloto num simulador, cuja percepção lhe diz que está a aterrar um
avião apesar de, na realidade, quando visto do alto de fora, estar ainda a voar
sem rumo.
No final da
década de noventa, constatadas as limitações da Comunicação Total nos
resultados educacionais dos alunos, os profissionais da escola, insatisfeitos
com os resultados obtidos nas suas práticas, buscaram novamente outros caminhos
teóricos que os levaram a valorizar a Língua de Sinais como um sistema
linguístico legítimo e a repensar o seu papel no processo de
ensino-aprendizagem. Essas reflexões fizeram com que uma nova perspectiva
educacional começasse a ser construída, pois à medida que a Língua de Sinais
passa a ser entendida como um sistema pleno, os sujeitos surdos deixam de ser
vistos como casos patológicos ou deficientes da comunicação e passam a ser
olhados como uma minoria linguística. Em decorrência disso, e com base na
crescente produção acadêmica de pesquisadores brasileiros e de estudiosos de
várias partes do mundo acerca da Educação Bilíngue para Surdos (Ferreira Brito,
1993; Fernandes, 1990; Felipe, 1988, Quadros, 1997, Behares, 1993, dentre
outros), a Educação de Surdos em São Bernardo do Campo, a partir de 1997, optou
por um projeto educativo que se pauta por:
1. uma visão sócio-antropológica da surdez
definida como diferença histórica e socialmente construída em práticas de
significação e representações compartilhadas entre os surdos e como uma
experiência visual e heterogênea (Skliar, 1998);
2. uma educação bilíngüe que priorize a Língua
de Sinais como língua natural e língua de instrução, e a aprendizagem do
Português como segunda língua;
3. um currículo pensado para e com os surdos que
não se limita a simples circulação da Língua de Sinais no espaço escolar, mas
que se propõe a dialogar com discursos, identidades e produções culturais dos
surdos, isto é, com seus modos de significar o mundo como sujeitos discursivos.
Basicamente,
os defensores da Educação Bilíngue advogam (e ainda lutam por isso) um projeto
educativo que incorpore como princípios norteadores a utilização da Língua de
Sinais como primeira língua e língua de instrução na escola (acesso à
informação e construção de conhecimento) seguida da aprendizagem da Língua
Portuguesa como segunda língua. Essa nova proposição levou à revisão de
concepções e práticas pedagógicas baseadas na tradição da Educação Especial, na
medida em que, ao considerar os surdos como uma minoria linguística, levava a
um deslocamento das questões educacionais dos surdos: da medicalização da
surdez, da visão colonialista em relação à comunidade surda e sua língua, para
uma concepção sociocultural que concebe os surdos em sua diferença, acentuando
aspectos positivos como língua, cultura, a História das comunidades surdas,
suas lutas por direitos lingüísticos e civis conduzidas por suas entidades
organizadas em muitos países do mundo. (Favorito, 2006)
Potencialidade da aquisição e desenvolvimento da Língua de Sinais como primeira língua
Como ocorre com os ouvintes em
relação à aquisição da língua oral, as crianças surdas podem adquirir
naturalmente a Língua de Sinais, desde que a família e/ou a escola lhes
propiciem oportunidades de interação com adultos surdos proficientes. A
Educação de Surdos em São Bernardo do Campo, reconhecendo o direito dos surdos
à aquisição natural da Libras, orienta-se pela seguinte política linguística:
Não é demais
lembrar que, desde 1994, a importância da Língua de Sinais nos contextos
escolares foi reconhecida em documento produzido em uma conferência realizada
em Salamanca, Espanha, com a organização da UNESCO e a presença de
representantes governamentais de todo o mundo. Com relação especificamente à
Educação de Surdos, destaca-se o artigo 21 do capítulo II da Declaração de
Salamanca:
Potencialidade de identificação das crianças surdas com seus pares e com os adultos surdos
Os surdos têm o direito de construírem estratégias de identificação convivendo com seus pares, isto é, com outros surdos. As identidades surdas, necessariamente híbridas e em constante processo de transição só podem ser construídas e reconstruídas em espaços que propiciem interações significativas para as pessoas surdas.
De acordo com essa visão, duas pesquisadoras têm chamado a
atenção para a relação entre experiência visual e a construção de conhecimentos
nos processos educacionais de pessoas surdas:
Lebedeff (2004) levanta a hipótese de se considerar a possibilidade de um letramento visual, salientando a importância de os profissionais envolvidos com a educação de surdos refletirem sobre o papel da imagem na apropriação do conhecimento. Gesueli (2004) pesquisando o impacto da imagem nas práticas discursivas de alunos surdos também corrobora essa visão. (Favorito, 2006, p. 192).
E, por fim, recorrendo às palavras de uma professora e pesquisadora surda brasileira para a qual fazer uso de recursos visuais na comunicação para os sujeitos surdos representa:
“um resgate cultural, uma possibilidade de recriarmos no interior do currículo, nossa cultura, nossa língua, nossa comunidade, principalmente, representar a surdez enquanto uma diferença cultural e não uma deficiência. Isto significa olhar a surdez a partir de seus traços culturais afastando-se do olhar patológico, da enfermidade e da normalização”. (Rangel, 1998, p. 81, grifos da autora).
Potencialidade de participação dos surdos no debate
linguístico,educacional, escolar, de cidadania
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